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Alf Sá - Da Geração 90 Ao Disco Solo


Alf Sá - foto: Paula Janssen

No final dos anos 80, começo dos 90, todas aquelas grandes bandas que fizeram de Brasília uma das capitais mais importantes do rock acabaram deixando a cidade. Nem por isso o clima por lá deixou de ser rock and roll. A mesma parceria e camaradagem que existia entre os grupos dos 80 passou a existir na geração que estava se formando, o que foi essencial para que bandas como os Raimundos, Little Quail, Câmbio Negro, Rumbora, Maskavo Roots, Natiruts e tantos outros passassem a ter reconhecimento nacional.


No meio desse furacão que se formava estava Luiz Eduardo Sá, o Alf, um cara vindo de Fortaleza e que desde pequeno se interessou por música, sendo um dos primeiros caras daquela geração a investir em equipamentos, “economizando no dinheiro do lanche da escola”, como ele gosta de dizer, e com isso ajudar toda a galera. Se destacou como baixista do Cambio Negro e ainda como vocal do El Kabong, Rumbora e Supergalo, além de substituir o Canisso nos graves na fase em que ele se afastou dos Raimundos.


Ano passado o Alf fez uma grande auto análise da carreira e lançou seu primeiro álbum solo, “Voce Já Esta Aqui”, disco que saiu ela Hearts Bleed Blue de São Paulo. A gente aproveitou o momento e chamou o Alf pra trocar aquela ideia sobre a carreira e o disco.



Sustenido: Quando você era moleque lá em Brasília, parece que se tornou o primeiro a ter um gravadorzinho de 4 canais e uma bateria eletrônica que ajudaram bastante as bandas da sua geração. Muita gente passou na sua casa pra gravar? O Gabriel do Autoramas diz que não podia fazer muito barulho durante as gravações e que as vozes ficavam sussuradinhas! Como era a movimentação toda por lá?


Alf: É verdade! Primeiro e único, rsrs. Eu tinha uns 15 anos. No começo era um Fostex, um gravador de 4 canais que foi meu laboratório e gravou boa parte da turma. Desde experimentos pessoais e primeiras bandas como Moscowita e Mr. Hyde ao Little Quail, Raimundos, Roque & Os Biles… Na verdade, só tinha que ser sussurrado quando estávamos matando aula, rsrs. Como foi o caso de quando gravamos “Pump Up The Bird” que fizemos com um teclado que comprei em uma viagem pra Argentina. Morávamos perto do nosso colégio e dávamos umas fugidas lá pra casa pra gravar umas coisas. As outras gravações eram uma puta zona e eram a tarde. Tem uma versão “aula de aeróbica” de “1,2,3,4” (clássica do Little Quail) que é de chorar de rir. Outra de “Azarar na W3” (outra do Little Quail) também muito boa. Toquei um teclado metido a Laffayette que ficou massa. Rolaram umas versões primárias dos Raimundos também, tipo “Rio das Pedras” e outras. Teve demo do Roque & Os Biles, primeira banda que eu toquei com o Fred, uns experimentos eletrônicos, meus primeiros “projetos de um homem só”. Como era portátil, eu levava pra gravar também em outros lugares. Estúdios, salas de ensaio, casas dos amigos.... Baterias eletrônicas foram 3. Meu irmão trouxe de fora em viagens diferentes e eu que acabava usando. Primeiro uma Symsonics, que tinha 4 pads com sons (bumbo, caixa, tom e prato) e uns botõezinhos em grupos de 3 com as divisões de tempo pra disparar ao vivo. Eu adorava tocar Blue Monday com ela em um protótipo de banda que tive com o Rodrigo Marrara (irmão do Ricardo Marrara, baixista do Maskavo Roots) porque o som era idêntico. Ficava perfeito. Emprestamos muito ela pro “Peter Perfeito”, banda do Tom Capone. O Ricardo, baterista e irmão do Tom, usava o pad que tinha um som parecido com os Simmons, aqueles toms eletrônicos em forma de hexágono. Depois rolou a Dr. Rhythm que usei muito nas demos e por último rolou a R5 que é a famosa bateria eletrônica que os Raimundos usaram entre a saída do Digão da bateria e a entrada do Fred. Depois quando morei nos EUA voltei com um 4 canais mais parrudinho da Tascam e com ele gravei idéias pro El Kabong, uma demo do FM’s Band só comigo e o Telo, a demo do Rumbora que fechamos contrato com a Trama e muitas idéias que foram usadas nos discos que gravei. Lembro de ter gravado nela muita coisa que foi pro E.P.O. (2º do Rumbora).



FM,s Band - Foto: Esfolando Weblog

Sustenido: Escutei uma história de que foram os Raimundos que destruíram sua bateria. Você lembra disso?


Alf: Então, é a R5, hehehe. Pelo que me lembre eles foram tocar em Goiânia e teve um problema de impedância com a energia da casa e o som não saía direito. Depois, emuma festa que meu irmão organizava, ligaram na voltagem errada (Brasília é 220 v) e queimou. Mas, ela tá aqui comigo sã e salva e também desse jeito eles tiveram que se render e deixar o Fred entrar finalmente na banda e fazer aquela zona funcionar, hahaha.


Sustenido: Você é um dos fundadores do Porão do rock. Você ainda tem ligação com o Festival?


Alf: Quando voltei a morar em Brasilia (de 2010 a 2014), mergulhei junto, mas hoje em dia fico mais de longe. Dou os meus pitacos e sugestões e volta e meia trabalho na coordenação técnica de alguma edição ou toco. Nesse tempo demos um gás legal na cena local com as “Noites Porão do Rock”. Eram noites autorais para as bandas locais no bar que era do Bi Ribeiro. Aconteciam todas as quartas durante uns 3 anos e funcionava como uma extensão do “Programa Porão do Rock” onde também entrevistávamos e tocávamos os sons das bandas que tocavam nas noites. O programa rolou até 2015 pela rádio Transamérica de Brasília, tocando as bandas da cidade e as novidades do Brasil e do mundo. Sempre líder de audiência. O que contraria totalmente o que se diz sobre o funcionamento do mercado. Tocava o que dava na minha cabeça, bandas e artistas consagrados e desconhecidos, novos, antigos, do Brasil, de Brasília e de tudo que é lugar do mundo, sem jabá, sem indicação e, muitas vezes, sem nem me prender estritamente ao que é convencionalmente encarado como rock. Pra mim, o rock é muito mais um espírito. Um inquietação, uma vontade de alargar os horizontes.

Rumbora


Sustenido: Na sua carreira você alternou momentos como bandleader e outros como baixista de bandas como o Câmbio Negro e o Raimundos, e em alguns momentos fez até as duas coisas ao mesmo tempo. Foi boa essa alternância, entre estar no holofote principal e tocar um pouco mais atrás?


Alf: Acho engraçada essa noção de líder. Nunca me liguei nessas posições. O prazer ali era trabalhar em grupo com meus amigos e realizarmos esse sonho de viver de música. Mesmo assim, são situações bem diferentes. Numas eu era o cantor e, em boa parte, compositor, nas outras minha única preocupação era ligar meu baixo e descer a lenha. São 2 aprendizados importantes onde pude sentir na pele essas posições e uma forma também de pegar fôlego para um novo ataque. Trabalhar na “graxa” também, ou seja, por trás dos holofotes, como roadie, produtor e etc, é um aprendizado incrível pra uma noção mais ampla de tudo que está acontecendo e um boa forma de exercitar a humildade e valorizar todos (as) que fazem a mágica acontecer.


Raimundos


Sustenido: E em que momento você sentiu que deveria partir para a carreira solo?


Alf: Quando voltei para Brasília. Meus parceiros de banda estavam ou em São Paulo ou no Rio. Ao mesmo tempo, senti que era hora de botar em prática o que tinha começado ainda nos tempos dos gravadores de 4 canais, quando já fazia despretensiosamente projetos de um homem só. Daí foi experimentar até achar o caminho, que no meu caso são vários, rsrs.


Sustenido: Uma vez você me disse que o primeiro álbum que você comprou foi o “Off The Wall” do Michael Jackson. Lembrei muito dessa história quando escutei seu álbum solo pela primeira vez. Acredito que “Você já Está Aqui” seja o resultado de muito do que você já escutou na vida, não?


Alf: Sim, bem por aí. Fiz um recorte e voltei no tempo pra época que comecei a querer ter banda. As bandas de música negra que ouvia, a new wave, pós-punk e muita música brasileira de todo tipo que rolava em casa. Família grande, nordestina, meus pais mais 6 filhos. Todos fissurados em música. Tinha piano, violão, instrumentos de percussão e um equipo de som poderoso sempre tocando alto, bem alto, rsrs.


Sustenido: No seu álbum você conta com varias participações, incluindo alguns nomes novos como Pedro Souto, que infelizmente nos deixou no início de 2017, e da incrível Deborah Babilônia. Quanto a isso, duas perguntas: Como você vê essa cena das nossos novos artistas? E quando a sua geração começou lá em Brasília, vocês tiveram alguma ajuda da turma que veio antes?


Alf: O Pedro faz muita falta e acabou deixando órfã uma grande banda que é o Almirante Shiva. Eles fazem parte de um movimento de Brasília chamado “Grogue” e, com a partida do Pedrinho, todos se uniram em torno do projeto do Corbello que se chama “Joe Silhueta”. É muito bom, uma das promessas de Brasília hoje em dia. A Débora é demais também, muita presença. “Deb & The Mentals” faz um puta show. Tem muita gente boa e muitas vertentes rolando. Gosto muito do Rincon (que já tá aí há bastante tempo, na real), o álbum dele é incrível, Don L também fez um disco poderoso, o Tim Bernardes tem se mostrado um compositor consistente, além de cantar e tocar muito. Todos escrevem muito bem, e isso faz uma grande diferença. Quanto a segunda pergunta, quando nossa geração começou a aparecer de verdade, a anterior já tinha saído da cidade e isso não ocorreu muito por lá. Algumas bandas estavam até desativadas. O único que me lembre ter participado dessa cena lá foi o Geruza (Geraldo Ribeiro) do Escola de Escândalos. Ele trabalhava no Artimanha, o estúdio do Toninho Maia, um grande guitarrista de Brasília, e gravou boa parte das bandas dessa época. Já em SP com disco lançado tivemos bastante apoio do Capital. O Dinho se aproximou bastante. Adorava o Rumbora. Ia na Casa Amarela (onde morava toda a banda), aos shows, chamou pra abrir 2 vezes shows do Capital. Deu uma grande força.


Clique na foto para ouvir o disco


Sustenido: No álbum você não só compôs, como tocou a maioria dos instrumentos, cuidou da produção e ainda foi responsável pela arte do disco! Como foi pra você ter o controle de quase tudo? Esse é o resumo de ser artista independente no Brasil?


Alf: Total, ou você se vira em 1000 ou as coisas não acontecem. Mas, apesar da trabalheira, vale a pena. Gosto de enxergar o projeto como um todo. A música faz parte de uma idéia que é traduzida em várias linguagens ao mesmo tempo. E, claro, muita gente ajudou o projeto a acontecer de diversas formas para chegar nesse resultado.


Sustenido: Você já pensou em lançar esse álbum em vinil? Já imaginou esse super trabalho gráfico no formato do bolachão?


Alf: Sempre. A arte foi pensada muito nesse formato. É uma vontade que ainda quero realizar. Vai ficar incrível com todas as artes em um livreto.


Sustenido: Gostou da experiência do crowdfunding? Esse processo te aproximou mais dos fãs?


Alf: Muito. Foi essencial pra colocar quem já vem acompanhando meu processo junto de vez comigo. São pessoas que não só me ajudaram a viabilizar o projeto como continuam divulgando e sendo integrantes dessa história. Sou muito grato.


Sustenido: E as experiências ao vivo, como tem sido com os diferentes formatos (conjunto, duo e one man band)? Já descobriu seu formato favorito?


Alf: “Experiência” tem sido o que define todo esse processo desde o começo. Sou inquieto e testo de mil formas até ficar satisfeito. Estou curtindo o formato em duo e tem sido o “oficial”. Gosto da presença da bateria no palco e do som marretando, botando pressão ali ao lado. O Iuri toca comigo desde 2013 e também curte essa linguagem, então tá tudo em casa. Mas, também faço sozinho com minha parafernália para formatos mais eletrônicos, experimentais ou quando vou tocar em clubes. São 2 mundos bem interessantes de visitar.



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